Bárbara Barreiros - Investigadora da Universidade do Minho

O procedimento de prospeção e pesquisa de lítio tem estado na ordem do dia há já alguns anos. O relatório final elaborado pelo Grupo de Trabalho Lítio criado pelo Governo em 2016, concluiu pela existência de extensos campos filonianos aplito-pegmatíticos hospedeiros de vários minerais de lítio, considerando-os tecnologicamente valorizáveis, em 8 áreas potenciais para lançamento de procedimento concursal para atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de Lítio, correspondendo a uma extensão que se distribuem desde Caminha, no Alto Minho até Idanha-a-Nova, na Beira Baixa. No passado dia 10 de dezembro, terminou o prazo para consulta pública, iniciado a 28 de setembro, do Relatório de Avaliação Ambiental Preliminar do Programa de Prospeção e Pesquisa de Lítio, e a partir daqui poderá haver prospeção em algumas zonas do nosso país, pelo que, nos parece oportuno refletir sobre as regras do jogo, e apelar aos municípios a ponderação dos prós e contras da vontade de produzir baterias “made in Portugal” com eventuais prejuízos ambientais irreparáveis.

A prospeção e pesquisa do lítio tem como objetivo a confirmação da jazida deste mineral. Para o efeito têm que ser abertas trincheiras e efetuadas sondagens mecânicas no local visado pela prospeção, o que significa, desde logo que a paisagem e o meio ambiente ficam sujeitos a intervenções de risco. É certo que a legislação aplicável prevê a recuperação ambiental e paisagística das áreas intervencionadas em simultâneo com o desenvolvimento dos trabalhos, a prestação de garantia financeira, e contrapartidas em função dos direitos privativos, todavia o risco do seu eventual não cumprimento ou a impossibilidade de cumprimento em casos de contaminação de águas, por exemplo, poderá sair muito caro aos cidadãos que habitam na área dos municípios intervencionados.

Muitos cidadãos já se manifestaram contra a prospeção em algumas áreas do país, dando nota de que as garantias legais poderão não ser suficientes perante a intervenção necessária para a prospeção e colocarão em causa a biodiversidade. Também vários especialistas, de forma contundente, deram conta de que a exploração de lítio em Portugal não é rentável.

Contudo, este processo avança, e as empresas nacionais ou internacionais, podem requerer a pesquisa e prospeção do mineral, e no caso de ser deferido o pedido, é celebrado um contrato com a Direção Geral de Energia e Geologia. Algumas concessões já foram adjudicadas.

Os municípios têm um papel importantíssimo neste procedimento pois são responsáveis pela opção e elaboração dos Planos Municipais de Ordenamento do Território (vulgarmente conhecido por PDM), e nos termos destes, são consequentemente responsáveis pela possibilidade de permitir a prospeção de minerais em determinada localidade.  Nos termos do artigo 14º, da Regulamentação da Lei n.º 54/2015, de 22 de junho, no que respeita aos depósitos minerais, a consulta dos municípios é obrigatória, e a pronúncia destes é vinculativa quando, total ou parcialmente, desfavorável, devendo ser fundamentada em normas legais ou regulamentares aplicáveis ou na estratégia de desenvolvimento territorial municipal expressa nos elementos que acompanham o Plano Diretor Municipal respetivo.

A Igreja Católica não se opõe de modo algum ao progresso científico e tecnológico, pelo contrário, respeita o produto maravilhoso da criatividade humana, que é dom de Deus, uma vez que nos fornecem possibilidades maravilhosas, de que todos nos beneficiamos. E não olvidamos de que o lítio é uma matéria-prima, por enquanto ainda necessária para a produção de baterias tão utilizadas no nosso quotidiano. No entanto, a técnica científica deve constituir uma “reta aplicação”, devendo ser utilizada para o progresso e não para a destruição da Criação. Também o custo de oportunidade ditará a utilização do solo – alguns certamente servirão para a agricultura, outros para permitir a utilização turística e paisagística, outros para proteção de espécies, outros para a construção e outros ainda para a prospeção. O valor da biodiversidade deve ser tratado com sentido de responsabilidade porque constitui uma extraordinária riqueza para a humanidade toda. A sua destruição através de atitudes inconsideradas acelera o processo de desertificação com perigosas consequências para as reservas de água, podendo comprometer a vida, ou pelo menos a saúde de muitos cidadãos e o bem-estar das gerações futuras. Neste sentido, todos nós, e sobretudo os sujeitos institucionais, devem sentir-se comprometidos em proteger o património natural e paisagístico, promovendo os instrumentos de estratégia de ordenamento do território adequados.

Assim, “Só o homem e a mulher, entre todas as criaturas, foram queridos por Deus “à sua imagem” (Gn 1,27): a eles o Senhor confia a responsabilidade sobre toda a criação, a tarefa de tutelar a harmonia e o desenvolvimento (cf. Gn 1, 26-30). Também nós confiamos a responsabilidade e a tarefa de tutelar a harmonia e o desenvolvimento do território onde habitamos aos nossos governantes municipais, acreditando que organizaram devidamente a estratégia e usos do solo constantes do Plano Diretor Municipal impedindo a destruição e promovendo o progresso.