Manuel Girão - Diretor-Geral da Santa Casa da Misericórdia da Amadora

Quando em março de 2020 a pandemia entrou na nossa sociedade, todos percebemos que algo mudava nas nossas vidas. Afastarmo-nos fisicamente dos nossos familiares e amigos era algo para o qual ninguém estava preparado. No meio deste afastamento físico, os idosos foram aqueles que, na minha opinião, mais sofreram e sofrem com a pandemia. Privar os mais velhos de abraçar os netos, visitar os amigos ou, simplesmente, sair à rua descontraidamente, é de uma violência que só os mais velhos conseguem sentir.

Mais grave ainda foi aquilo a que sujeitámos os idosos institucionalizados em lares e Unidades de Cuidados Continuados. Foram sujeitos a proibição de visitas, saídas ao exterior e, muitas vezes, ao isolamento dentro do próprio quarto. Privámos a geração que mais lutou pela liberdade, que tudo fez para que as novas gerações pudessem ter a qualidade de vida que têm hoje. Salvo melhor opinião, muitas das medidas tomadas nesta matéria foram desajustadas e reveladoras de uma enorme falta de sensibilidade social. Se antes da pandemia já vivíamos o problema da solidão nos mais velhos, a pandemia veio acentuar ainda mais este drama.

Cabe-nos a nós, gerações mais novas, combater este flagelo e não nos deixarmos ir na onda da “pandemia do medo”, privando assim os mais velhos de relações afetivas que muita diferença fazem na vida daqueles que tanto nos deram. Não nos podemos esquecer que 16 por cento da população portuguesa tem mais de 70 anos, sendo que, uma boa parte desta população vive sozinha e, em alguns casos, completamente isolada. Promover o distanciamento físico pode, por si só, promover o isolamento social. Não podemos permitir que isso aconteça.

O processo de vacinação era visto para muitos dos nossos idosos como uma luz ao fundo do túnel e a esperança de um regresso à normalidade. Porém, infelizmente, nem tudo voltou ao normal. As restrições mantêm-se e os medos persistem. Será justo privarmos os mais velhos daquilo que é tão importante? Será que não estamos a olhar para o problema utilizando a realidade dos mais novos, daqueles que ainda têm tantos anos pela frente? Tenhamos todos a coragem de olhar para esta pandemia com os olhos dos mais velhos e com a serenidade que nos podem transmitir.