José Diogo Ferreira Martins - Presidente da Associação dos Médicos Católicos Portugueses

A perspetiva de um médico sobre a eutanásia. A eutanásia é uma questão dos valores da sociedade: sobre a forma como se olha o valor da vida, a dignidade do ser humano e as relações em sociedade. Não se trata de uma questão de direita ou de esquerda, nem religiosa; e não é sequer um tratamento médico. O valor da sociedade mede-se pelo empenho com que tratamos dos mais fracos e doentes. Mesmo quando eles acham que não têm opções. A proteção da vida é uma salvaguarda da convivência social. Não existe direito a morrer, até porque isso é uma inevitabilidade, existe direito a viver. Na eutanásia não é pedido o direito a morrer, mas sim o direito a alguém que nos mate. Esta é uma lei como nenhuma outra pois o Estado — o Serviço Nacional de Saúde — terá então o dever de matar os cidadãos cujos pedidos forem aceites.

A eutanásia é um tema complexo que requer um debate sério e clarificador. Eutanásia é morte a pedido de um doente, causada por outra pessoa, isto é, a antecipação artificial da morte. O suicídio assistido é morte provocada pelo próprio doente, com a ajuda de outra pessoa. Entende-se por distanásia (ou encarniçamento terapêutico) o prolongamento por meios fúteis e desproporcionados da morte inevitável do doente terminal, isto é, o adiamento artificial da morte. Expressões vagas e eufemismos que lançam a confusão e não esclarecem: como se define o que é “morte digna”, “sofrimento intolerável”, “direito a morrer”? Todos queremos uma morte digna e com assistência, ainda que não escolhamos ser eutanasiados. O “direito a morrer” não passa frequentemente de um eufemismo que mais não é do que “o direito a que um médico acabe com a minha vida”. Como garantir que se é objetivo e específico quando discutimos opções que têm consequências tão irreversíveis quanto a morte?

A eutanásia perverte a ética médica. A medicina incorpora um conceito de tratar os mais fracos e doentes. Os médicos servem para ajudar a viver com dignidade até morrer, mas não para ajudar a matar. A eutanásia não acaba com o sofrimento, acaba com a vida. Perante alguém que sofre, vulnerável e a precisar de ajuda, queremos ter mais para lhe oferecer do que tirar-lhe a vida. É isso que pressupõe a asserção “não matar”, que serve de base a uma ética milenar dos médicos. A base de confiança da relação médico-doente. Os doentes têm de confiar que os médicos tratarão deles, mesmo – especialmente – quando eles não conseguirem.

Todos os médicos são contra o sofrimento intolerável na doença grave e avançada, e os Cuidados Paliativos são hoje a resposta para essas situações. Em Portugal, apenas 20 a 30 por cento dos doentes com doença grave e avançada têm acesso a esses cuidados. Como é possível discutir a morte de doentes, uma medida drástica e irreversível, antes destes cuidados de saúde estarem assegurados para todos? Viabilizar a eutanásia seria empurrar os doentes para a morte, pois não existe a outra opção. Os doentes têm naturalmente direito a um controlo sintomático rigoroso, podem recusar ou suspender tratamentos depois de devidamente esclarecidos, fazer discussões antecipadas de planos e de vontades relativas ao fim de vida, formular um testamento vital, aplicar estratégias promotoras da dignidade, usar sedação paliativa, e que não lhes seja praticada a obstinação terapêutica

A lei que permite a eutanásia é sempre uma rampa inclinada. Na Europa, a eutanásia é legal apenas na Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Suíça (apenas para suicídio assistido). Nos Estados Unidos da América, apenas em seis estados. Na Holanda, existe uma morte por eutanásia a cada hora e meia. Os factos mostram que a legalização da eutanásia levou a abusos graves, a coberto da lei: que sejam mortas pessoas deprimidas, que não estão em fim de vida, que são deficientes ou estão cansadas de viver, que fossem mortas crianças com autorização dos pais. O número de eutanásias nunca corresponderia a uma excecionalidade, seria sim de milhares de casos, no nosso país.

A eutanásia pode promover um critério economicista, pois poderá também permitir uma pressão subtil para se reduzirem custos na saúde. Vai pôr a pressão nos doentes idosos e com carência económica. Em tempos de crise e com o aumento do número de doentes crónicos e dependentes, e seria seguramente uma opção mais barata, que não queremos ver no nosso país.

Não se pode falar de eutanásia quando a maioria dos portugueses não tem acesso a Cuidados Paliativos e em que o conhecimento sobre as intervenções que estes proporcionam são ainda pobres, viabilizar a eutanásia seria empurrar os doentes para essa opção. Os esforços têm que se concentrar no alargamento ao acesso a bons Cuidados Paliativos, no acesso à informação sobre a possibilidade de elaborar um testamento vital, sobre a objeção à prática da obstinação terapêutica e, sobretudo, na participação esclarecida dos portugueses nos seus cuidados de saúde e nas decisões que eles envolvem. 
Já existe o testamento vital, que permite ao próprio recusar, após consentimento informado, tratamentos em fim de vida que a prolonguem desnecessariamente.

Não se escutou o país, na aprovação da eutanásia. Os senhores deputados não quiseram escutar o ruidoso clamor de protesto por parte da sociedade civil, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e outras associações de bioética, de declarações conjuntas das conferências religiosas e de condenações unânimes da Ordem dos Médicos (todos os últimos cinco bastonários médicos são contra a eutanásia e de outras associações de profissionais de saúde). Finalmente, rejeitaram a petição de quase 100.000 cidadãos que solicitou a realização de um referendo sobre esta matéria.