A dimensão dos efeitos ainda não está apurada com rigor, mas a economista Susana Peralta não tem dúvidas que a atual crise pandémica pode deixar “cicatrizes profundas e difíceis de sarar” que afetarão os jovens em particular. A conclusão surge no relatório “Portugal, Balanço Social 2020 – Um retrato do país e dos efeitos da pandemia”, divulgado esta quarta-feira, 3 de março, um documento que alerta também para a resposta insuficiente do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) na resolução dos problemas imediatos.

“Uma das coisas piores da perspetiva do que vai ser esta crise é o que estamos a fazer aos jovens e às crianças. Sabemos que os jovens que entram no mercado de trabalho num período de crise, enfim, há cicatrizes que perduram no tempo. O facto de esta crise estar a bater muito à porta dos jovens sob muitos pontos de vista – isolamento, não haver perspetivas de emigração, saúde mental, escolaridade, entrada no mercado de trabalho – é algo que nos pode deixar cicatrizes que nos vão custar muito a médio e longo prazo”, disse a economista à agência Lusa.

Segundo a autora do estudo, desenvolvido na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, esta crise é ainda mais assimétrica nos seus efeitos, incidindo particularmente sobre “franjas mais frágeis” da população, como os trabalhadores precários e com salários baixos que perderam o emprego de imediato, sobretudo nos casos associados ao turismo. Será o caso dos jovens, muitos deles há pouco tempo no mercado de trabalho, com baixos salários e por vezes baixas qualificações, o que os limita na capacidade de encontrar alternativas, até mesmo na emigração.

Em relação ao PRR, a economista considera ser um programa de resposta à pandemia que não resolve os problemas imediatos das pessoas, que rapidamente se vão confrontar, por exemplo, com o fim das moratórias. “As pessoas estão a precisar de pagar as contas agora. Há coisas que podemos adiar, há coisas que o mercado de crédito nos permite resolver, mas não posso viver hoje da comida que vou comer daqui a dois anos. As pessoas precisam de pagar as contas, de água a correr nas torneiras e de eletricidade em casa e precisam de uma casa”, sublinhou.

Susana Peralta, que numa entrevista recente ao Jornal I defendeu que a “burguesia do teletrabalho” devia ajudar a pagar a crise, com um imposto extraordinário sobre quem não perdeu rendimentos, sejam eles de trabalho ou de capital, criticou ainda o facto de o PRR não incluir nenhum plano de recuperação de aprendizagens para as crianças que perderam quase dois anos letivos.

“Se eu lá visse um terço daquilo para gastar em recuperação de aprendizagens desta geração que estamos a deixar cruelmente para trás e só lhes vamos deixar é dívida para pagar, se eu visse isso já achava que aquilo era extraordinário. Nem isso lá vejo, estão lá 500 milhões [de euros] para comprar computadores”, afirmou, pedindo um plano que meta “muito dinheiro” e “muitos professores” nas escolas.