Álvaro Pacheco – Missionário da Consolata

A Quaresma é um tempo muito especial, no contexto da liturgia e vida espiritual de cada cristão. Nele, os convites à conversão sucedem-se de forma natural, porque é sobretudo da conversão, que se fala e medita nestes 40 dias de “retiro espiritual”, de “travessia do deserto interior”. Daí que, como gosto de dizer, estes 40 dias são como que uma espécie de “viagem ao interior de nós mesmos”. Para tal, neste deserto fazemos ou deveríamos fazer essencialmente três coisas: renovar, reavaliar e reprogramar.

Nesta viagem interior, a renovação da nossa aliança de amor e pertença a Deus e ao próximo ajuda-nos a tomar uma maior consciência de que somos parte de uma família que extravasa os laços de sangue e da amizade: somos membros de uma família de fé, que peregrina em direção ao Reino de Deus, com Deus a nosso lado e dentro de nós. Como tal, fazemos nova uma relação que já tem muitos anos, muitas experiências, muitos altos e baixos, muitas dúvidas e certezas.

Para que esta renovação da nossa pertença a Deus e aos outros seja eficaz e significativa, surge a necessidade de uma reavaliação do nosso ser e agir, isto é, a Quaresma é também um momento de avaliação mais profunda das motivações e razões do nosso ser e do nosso agir. A renovação interior só acontece quando reavaliamos as motivações, os porquês que estão por detrás dos nossos pensamentos e ações, projetos e ideais. Daí ser importante fazer, também na Quaresma, esta “viagem ao nosso interior” ou, como diz a psicologia, “fazer uma introspeção”, isto é, uma análise e avaliação profunda de nós mesmos, no confronto com a Palavra de Deus.

Claro, esta “viagem ao interior de nós mesmos” implica uma preparação que consiste no arranjar um espaço e um tempo, físicos e mentais, antecipados pela predisposição ou vontade de a fazer. Mais ainda: podemos completar esta “viagem” com uma conversa franca, feita com quem nos conhece bem ou com quem nos sentimos à vontade, certos de que essa pessoa nos pode e irá ajudar.

Na verdade, a ajuda que recebemos de alguém é tanto menor quanto maior for a nossa capacidade de entrarmos verdadeiramente em nós mesmos; por outras palavras, quando falo de mim a alguém com um desabafo ou partilha de algum elemento que considero importante, as respostas às minhas questões estão também presentes na minha partilha. Falo por experiência própria: quando encontro pessoas que me pedem para conversar, desabafar, partilhar sobre elas e suas vidas (geralmente sobre problemas ou situações mais ou menos difíceis), uma espécie de confissão informal, reparo sempre que elas mesmas apresentam soluções para enfrentar os problemas em questão. Só que elas, geralmente, não se dão conta, daí ser importante que eu saiba escutar, sem perder nada do que é dito, porque irei depois ajudá-la a redescobrir a resposta que ela própria já tinha dado. Tudo isto faz parte da reavaliação que alimenta a paz interior, essencial para uma aliança de amor e pertença saudável, afetiva e efetiva; daí que a verdadeira conversão, no meu entender, acontece quando vamos ao fundo das questões que nos tocam profundamente e que são fundamentais na nossa vida, à procura das verdadeiras motivações ou razões do nosso agir.

Finalmente, feita a reavaliação, é tempo de reprogramar, isto é, de fazer uma espécie de “projeto de vida pessoal”, no qual organizo uma “nova lista de prioridades” relativas ao que tenho de fazer, nos vários âmbitos da minha vida (pessoal, familiar, profissional, social, espiritual…), para que a minha conversão seja um processo evolutivo, gradual e no qual jogo a minha vida, processo que me ajuda na procura e no alcançar de sentido, paz, alegria e esperança para minha vida. Só assim sou verdadeiramente feliz, quando me faço dom de Deus para outros, um dom que se renova e faz melhor com o passar do tempo.