Álvaro Pacheco – Missionário da Consolata

Dias atrás, li um artigo sobre a assistência religiosa nos hospitais nestes tempos de pandemia, assistência que engloba várias confissões religiosas. A leitura deste artigo da agência Lusa (publicado no DN a 06.02.21), com o título “Assistência espiritual e religiosa é bálsamo nos hospitais” fez-me viajar no tempo, regressando à Figueira da Foz onde, de setembro de 2014 a setembro do ano passado, trabalhei como animador missionário e pároco responsável de duas paróquias a sul do Mondego.

Estando o Hospital Distrital da Figueira da Foz inserido no território de uma destas paróquias, e após saber que não havia um capelão fixo nessa instituição, decidi oferecer o meu tempo como capelão voluntário: com esta experiência única e muito enriquecedora, tive a oportunidade e a bênção de poder desenvolver e praticar ainda mais duas das atitudes fundamentais de Cristo, a proximidade e a empatia. Como base desta minha partilha, transcrevo uma afirmação do padre Paulo Teixeira, capelão do Centro Hospital Universitário de São João, no Porto: “A experiência da doença expõe a vulnerabilidade e faz ver a necessidade do outro”. Esta frase tocou-me imenso, porque vem ao encontro do que senti em muitos encontros que tive com doentes de vária ordem, sobretudo os terminais. Ter sido voluntário em ambiente hospitalar ajudou-me a ser mais consciente da fragilidade humana e, ao mesmo tempo, do valor e importância do outro enquanto presença consoladora, neste caso da minha parte e de outros voluntários. Mais ainda: enquanto me apercebia da real fragilidade de cada um de nós, sentia que nessa fragilidade estava Deus, o mesmo que veio até nós e assumiu a nossa condição humana, exceto o pecado, o mesmo Deus que viveu na carne a fragilidade do ser humano, a sua dependência do outro enquanto “companheiro de relação”. Isto porque uma das palavras que melhor definem a verdadeira essência de Deus é a palavra “relação”: sim, Deus é amor e, como tal, criou o ser humano como companheiro de relação.

Neste contexto, assistir um doente, sentir a sua vulnerabilidade e criar empatia com ele/ela é um ato divino. Daí que Jesus se fez próximo de quem o procurava e, através da empatia, criou relações de amizade e de pertença; Ele deixava-se tocar, tornando-se impuro com os impuros para, com o dom da cura física e espiritual, os purificar da maldição da impureza que lhes tinha sido imposta pelos ditos “homens de Deus”. Ao fazer-se próximo e ao criar empatia, Jesus “cheirava o cheiro das ovelhas”, tornando-se para eles e para nós o “Outro” de que todos necessitamos. Este “ser o Outro” faz parte da nossa vocação e missão de batizados; para tal, temos de lutar contra todos os obstáculos interiores ou, para usar uma linguagem mais atual, temos de curar todos os vírus que nos afastam dos outros e que minam a nossa relação de proximidade e empatia, de amizade e pertença.

Ao mesmo tempo, é importante darmo-nos conta da nossa própria vulnerabilidade, ou seja, “as coisas não acontecem só aos outros”. Infelizmente, a atual situação de caos, desespero e incerteza resulta, em boa parte, da convicção que muitos têm de que “só acontece aos outros”. Gostaria de enaltecer a figura dos voluntários, também no contexto desta pandemia, porque eles fazem parte da rede dos que trabalham nos hospitais, lares, centros de dia, para além de muitos deles visitarem também doentes em suas casas. Usando a imagem bíblica de Maria que se coloca ao serviço do projeto de salvação de Deus, o voluntário/a é aquele/a que diz ao doente e a Deus, que se encontra no doente, “faço minha a tua vontade!”

Os voluntários são um complemento importantíssimo em todas as instituições que cuidam de doentes, porque, mais do que do corpo, eles tratam da alma dos doentes, combatendo a solidão que fere de morte essa mesma alma. Infelizmente, esta pandemia limitou bastante a prática do voluntariado, deixando muitos doentes, especialmente idosos, abandonados a si mesmos, porque os profissionais de saúde não os podem acudir a toda a hora… e eles mesmos, profissionais de saúde, perdem muito por não ter quem os console e acompanhe nas lutas desiguais que travam diariamente, tarefa também assumida por muitos voluntários e capelães. Mas dias melhores virão.