Eugénia Quaresma - Diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações

As migrações continuam a ser um grito desconcertante para esta nossa sociedade poliédrica, ferida e
fragmentada, ouso dizer enferma. Apesar da ancestralidade, ainda subsiste a tentação de construir muros e olhar para o lado, ainda subsistem abandonos e marginalizações que destratam e desumanizam as pessoas em mobilidade. Independentemente da classificação jurídica, há uma cidadania plena, a ser defendida e que precisa de ser reconhecida. Na Igreja não há estrangeiros.

O forasteiro provoca-nos, a sua presença é incontornável e estruturante para o progresso social e pastoral. Aqueles que vêm de fora são uma interpelação aos sentidos e à razão, são protagonistas da esperança que partem e chegam… apesar de todos os obstáculos a que são sujeitos pelo caminho.

Em tempo de pandemia, fomos forçados a olhar para as desigualdades, para os problemas estruturais que afetam todos os residentes em Portugal e tendem a agravar-se para os mais vulneráveis da mobilidade humana; enquadram-se aqui todos aqueles que pela força da lei e da burocracia, não estão regularizados, os que caíram no desemprego, os que estão com dificuldades em pagar a renda, os que sofrem pela exploração laboral, os que sofrem de solidão, os que ainda têm fome.

Existem ainda forasteiros existenciais que sendo legalmente reconhecidos como portugueses são tratados como se a esta terra não pertencessem. Trata-se do local onde habitam, periférico à cidade, tantas vezes sem condições dignas. Trata-se de feridas históricas de um tempo colonial, que minam a auto estima e alimentam ressentimentos que passaram de geração em geração, e hoje, pela boca dos seus filhos e netos reivindicam uma reparação, uma reconciliação da memória. Trata-se de uma violência estrutural que empobrece famílias.

Portugal, país de partida, de trânsito e de destino, apesar de ter políticas de integração premiadas pelo índice MIPEX 2020, é penalizado pela morosidade dos processos de regularização, pela falta de comunicação e articulação entre serviços estatais e até pastorais… Urge alargar a capacidade de sensibilizar, formar e envolver as comunidades cristãs, nesta aprendizagem da fraternidade.

De norte a sul do país investe-se na capacidade de acompanhar e cuidar, aprende-se a coenvolver os migrantes e refugiados na busca e na edificação de soluções, para estes tempos complexos. Paulatinamente, consolida-se a certeza de que é preciso colaborar para construir e só através de parcerias conseguimos responder com eficácia aos desafios que localmente vão surgindo.