Cerca de 40 países do mundo terão usado a Covid-19 para restringir a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa e alguns Estados estão a tomar medidas de controlo e reforço do poder dos governos, pondo em causa alguns princípios de funcionamento da democracia. Mas os dados revelam que o sucesso de combate à pandemia não depende dos regimes políticos e que o recurso a medidas autoritárias visa outros objetivos de poder que estão para lá da Covid-19.

A Malásia, a Indonésia, o Nepal, a Nicarágua, a Etiópia, a Índia, a China, a Hungria e a Polónia são alguns dos países sob suspeita de estarem a aproveitar-se das medidas excecionais de combate da pandemia da Covid-19 para reforçar o seu poder autoritário. Para além da limitação dos direitos à circulação e de manifestação dos cidadãos, falamos ainda da restrição ou suspensão dos poderes dos parlamentos e do papel dos partidos da oposição, a colocação de barreiras à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. A par destas medidas, a aplicação de sistemas informáticos nos telemóveis, para identificação das pessoas em caso de contacto com outros indivíduos infetados pela Covid-19, está a ser objeto de polémica, pelo facto de isso permitir que os Estados passem a deter um controlo desmesurado sobre a vida dos seus cidadãos.

Com efeito, o que está em questão não são as medidas contra o coronavírus, mas aquilo que líderes autoritários estão a aproveitar para reforçar e se manterem no poder. Ou se quisermos de outro modo: até que ponto os cidadãos não estarão a admitir, no presente e em nome da saúde pública, restrições das suas liberdades que poderão comprometer os seus direitos no futuro?

É o autoritarismo um remédio para a Covid-19?
A análise dos diferentes casos verificados no mundo tem revelado que o maior sucesso no combate à pandemia não está relacionado com a eficácia da democracia ou dos regimes autoritários. Quando se refere que o regime autoritário chinês ajudou a combater a Covid-19, esquece-se frequentemente que foi esse autoritarismo que silenciou a existência da doença, no seu início, perseguindo os médicos que denunciaram a existência do vírus.

Com efeito, a adoção de medidas políticas autoritárias, que se tem verificado a coberto da pandemia, mais não é do que o reflexo de tendências mais preocupantes da crise dos regimes democráticos em todo o mundo e que vários estudos internacionais têm vindo a alertar.
As situações mais difíceis de gestão da crise pandémica, como no Brasil, nos Estados Unidos da América ou no Chile, para citar casos de regimes políticos mais à direita ou mais à esquerda, têm a ver com o facto de governos populistas terem exacerbado os conflitos internos e dividido o povo por razões meramente políticas. Nesses casos, a Covid-19 não é o problema, mas o argumento usado com objetivos políticos ínvios. E a divisão social suscitada com esses fins, sim, tem-se revelado um excelente campo de proliferação do vírus.

Texto: Carlos Camponez