Maria tem 83 anos, vive sozinha há mais de duas décadas, mas só agora os filhos a ouviram falar de solidão. Ao primeiro sinal de alarme gerado pela atual pandemia, os descendentes procuraram reforçar os telefonemas diários, assegurar o fornecimento de bens essenciais e os conselhos para que se mantivesse em casa e em segurança. Por precaução, passaram a evitar as visitas pontuais, os almoços dominicais, as reuniões familiares. Agiram em conformidade com as orientações das autoridades de saúde. Mas sem darem conta, deixaram um vazio. Involuntário, é certo, mas marcante para esta idosa e para tantas outras da sua faixa etária, confrontadas com uma nova realidade para a qual ninguém estava preparado.
“Eu sabia que tinha a família por perto se fosse preciso alguma coisa. Mas sentia-me só, mais irritada e desorientada. Já vivi muita coisa na minha vida, só que desta vez, parecia uma guerra, que havia qualquer coisa na rua e ninguém sabia o que era. Cheguei a sentir medo”, confessou Maria (nome fictício) à FÁTIMA MISSIONÁRIA.
A pandemia gerou um novo normal, a que todos nos vamos ter de habituar, e causou impactos sociais e económicos que não eram sentidos, a nível global, desde a II Guerra Mundial.
Mas muitos dos chamados efeitos colaterais estão ainda por aprofundar, em particular no que se refere às consequências para a saúde física e mental da população mais idosa.
Maria, por exemplo, sentiu-se emocionalmente “mais em baixo” por não poder beijar nem abraçar os filhos e netos, sobretudo durante o estado de emergência que vigorou no país; por ver-se privada da Missa presencial durante quase dois meses e meio e impedida de contactar com o grupo de amigas. Fisicamente, faltaram-lhe as caminhadas diárias, as idas semanais à piscina. Em consequência, “aumentaram as dores no corpo”. Lentamente, tem vindo a tentar retomar as rotinas, ao ritmo que o desconfinamento o vai permitindo. Mas recorrendo às suas próprias palavras, “a cabeça já não é o que era, e as pernas já não andam como antigamente”.

Combater a depressão
Resumindo, os sintomas verbalizados por Maria não serão muito diferentes dos sentidos por uma boa parte da população idosa, fruto do “impacto negativo do isolamento social, com maior sentimento depressivo, redução da atividade física e aumento do comportamento sedentário”, explica José Eduardo Pompeu, doutorado em neurociências e neurologia e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Tecnologia, Funcionalidade e Envelhecimento (LETEFE), na Universidade de São Paulo.
Portugal é um dos países mais envelhecidos da Europa, muitos dos idosos vivem em condições precárias, e por isso, foi um dos escolhidos pela equipa do investigador para servir de amostra ao estudo que está a desenvolver sobre o impacto da Covid-19 na saúde física e mental dos idosos, assim como na eventual diminuição da qualidade de vida relacionada com os aspetos físicose emocionais.
A investigação está ainda numa fase precoce, mas os resultados parciais já processados, permitem concluir que os impactos negativos do isolamento social podem originar “consequências negativas na saúde física e mental do idoso”, antecipou José Pompeu à FÁTIMA MISSIONÁRIA.
Face a estas previsões, importa saber se o isolamento físico dos idosos para reduzir a transmissão do vírus e “achatar” a curva epidemiológica da pandemia não estará a disseminar uma nova doença, que se pode transformar numa outra pandemia – a pandemia da solidão.
“Infelizmente, acreditamos que sim. Os idosos que já estavam isolados tendem a isolar-se ainda mais durante a pandemia e aqueles que participavam socialmente podem perder a motivação e desenvolver sentimentos depressivos. Para prevenir, é necessário um esforço a todos os níveis, individual, comunitário e organizacional. O idoso tem que querer prevenir e para isso, precisa ser consciencializado da importância de ter uma vida social, de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre o envelhecimento ativo”, adiantou
o investigador brasileiro.

Democratizar as tecnologias
Num outro plano, embora em circunstâncias diferentes mas não imunes aos riscos da morbilidade psicológica, encontram-se os idosos institucionalizados. Se no início da pandemia podiam sentir-se protegidos pelo encerramento das portas das instituições de acolhimento, rapidamente passaram a figurar entre as vítimas que mais têm sucumbido ao coronavírus e a revelar maior vulnerabilidade “quer aos efeitos negativos da pandemia na sua saúde, inclusive mental, quer aos efeitos negativos do isolamento profilático no bem-estar e qualidade de vida, sendo mais acentuado, também, o risco de solidão”, segundo as investigadoras portuguesas em saúde pública e sociologia, Ana Henriques e Isabel Dias.
Para minimizar os possíveis efeitos negativos deste isolamento social forçado e mitigar os sentimentos de medo quanto ao futuro, de tristeza, desânimo e solidão, José Eduardo Pompeu sugere que se use e abuse da tecnologia, nomeadamente através de videochamadas ou mensagens áudio, ou até o envio de pequenos bilhetes, escritos à mão, com mensagens de carinho. O investigador defende ainda a criação de melhores políticas públicas, que deem prioridade ao acesso do idoso à internet, incentivem as atividades de ensino sobre a utilização de smartphones, tablets e computadores e facilitem a aquisição deste tipo de equipamentos aos idosos de baixos rendimentos. Em suma, para José Pompeu, o importante é transformar o distanciamento “num ato de amor” e demonstrar ao idoso que o lema será sempre: “Distante sim, sozinho nunca!”.