A pandemia do coronavírus criou, como é habitual em outras situações de crise social aguda, a ideia de que o mundo vai mudar radicalmente. O teletrabalho e a escola em casa têm sido dois dos setores onde se diz que nada será como dantes. As medidas de confinamento e do estado de emergência talvez nos tenham mostrado coisas a que não demos a devida atenção. Mas para bem da escola é bom que a ideia de que nada será como dantes não se lhe aplique.

Um dos factos que, frequentemente, nos levam a fazer previsões erradas sobre as mudanças radicais no futuro tem a ver com o facto de nos esquecermos do presente. Os fatores que induzem a mudança – sejam novas tecnologias, novas descobertas, crises como a que atravessamos – realizam-se em contextos sociais, económicos, políticos e culturais pré-existentes. Estes contextos não são indiferentes aos fatores de mudança. Mas não mudam nem instantaneamente nem necessariamente no sentido que muitas vezes prevemos.

O ensino à distância e o recurso que fizemos às tecnologias para colmatar os problemas dos alunos sem aulas não serão suficientes para provocar as mudanças radicais, que uns desejam e outros temem. Ensinar à distância não é apenas transmitir conhecimentos. Exige saberes acerca de usos das tecnologias, competências para dinamizar grupos à distância, conteúdos pedagógicos específicos e recurso a linguagens que não estão ao dispor de todos nem são fácil nem rapidamente adquiríveis.

Pensar a escola digital
Para além disso, a crise da Covid-19 revelou que a escola não é apenas um lugar de aprendizagem de conhecimentos. As escolas são espaços de socialização e, nalguns casos, formas complementares de proteção de famílias desprotegidas. A pandemia também demonstrou a existência de desigualdades digitais graves: nem todas as famílias dispõem de rede de internet capaz de assegurar o ensino à distância, nem tão-pouco de instrumentos eletrónicos (computadores, tablets, etc.) adequados ou suficientes.
Para além disso, a escola não ensina apenas conhecimentos, ensina também a estar, a estudar e a aprender, competências que nem sempre os pais estão em condições de ensinar.

O ensino à distância, sobretudo no caso dos alunos mais jovens, pressupõe que os pais estejam em casa, supostamente em teletrabalho. Mas o que a situação de confinamento a que estivemos sujeitos nas últimas semanas revela é que os ambientes de teletrabalho e o das aulas à distância não são facilmente conciliáveis no mesmo espaço, sobretudo para aqueles que menos dispõem dele.

Se há coisa que a Covid-19 nos mostrou não foi que o mundo vai mudar radicalmente. Mostrou-nos a profundidade da fratura entre ricos e pobres na era digital; revelou a capacidade de iniciativa, de boas vontades e de solidariedade de muitos para ultrapassar problemas urgentes; e permitiu que pensássemos um pouco no que poderá ser a escola digital do futuro. Daí a esperar que o mundo ou a escola mude radicalmente…

Texto: Carlos Camponez