Isabel Figueiredo - Diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

Habitualmente acordam mais cedo. Conseguem estender uma máquina de roupa, arrumar a loiça da véspera, dar uma volta à sala onde ficaram mantas amarrotadas e tabuleiros esquecidos… enquanto a família acorda, tratam dos pequenos-almoços ou preparam as marmitas dos mais novos. Quando percebem que já não está ninguém na casa de banho, entram com os minutos contados e saem outras, frescas e perfumadas.

Comem de pé, enquanto chamam os filhos, atentas ao frio ou à chuva, lembrando o trabalho de casa ou a consulta do dentista ao fim da tarde. Por vezes, é o pai que leva os filhos à escola ou os deixa na estação mais próxima. Por vezes, não há pai que o faça, porque a vida as deixou sozinhas. Vão de carro para o trabalho e no caminho, pensam no que devem fazer ao jantar, na reunião onde têm que estar atentas, na prenda de anos por comprar. Ou vão de comboio, em carruagens cheias.

Ou vão de autocarro, sem espaço para estender as pernas. Ou vão de barco, suportando enjoos que não passam. E parecem formiguinhas a correr, para outro comboio, outro autocarro, outra fila de gente desconhecida. Quando chegam a casa, recomeça a roda a girar e os filhos pedem colo, ou choram por causa de uma avaliação, ou estão fechados em quartos desarrumados, onde ninguém pode entrar. É preciso fazer o jantar, pôr a mesa, dar o banho. Muitas vezes, já todos dormem, quando o pai chega. Muitas vezes, não há pai que chegue, porque a vida as deixou sozinhas. Esta normalidade dos dias é estilhaçada em tantas vidas. Com gritos de prepotências esmagadoras.

Com a falta da carne e do peixe, porque só se conseguem comprar ovos e salsichas. Com a roupa que se recebe de uma vizinha, de uma prima, de uma loja solidária. Com medos escondidos, com doenças traiçoeiras. Com infidelidades assumidas e dolorosas. E o mundo à sua volta espera que continuem sempre cuidadas, atentas, capazes de trazer dinheiro para casa, capazes de fazer autênticos milagres com o pouco que conseguem. Estão nas fábricas que ainda não fecharam, nas universidades, nos tribunais, nas escolas, nos hospitais. A cuidar ou a servir; a ensinar ou a limpar. E são mães. E amam. Só assim é possível entender os dias das vidas que dão vida à vida.