O cardeal foi um profeta prematuro no Brasil e na américa Latina, durante o tempo das ditaduras. Se as atuais homilias do Papa Francisco tivessem sido feitas no tempo em que ele era arcebispo em São Paulo, o mundo de hoje seria diferente em alguns aspetos
O cardeal foi um profeta prematuro no Brasil e na américa Latina, durante o tempo das ditaduras. Se as atuais homilias do Papa Francisco tivessem sido feitas no tempo em que ele era arcebispo em São Paulo, o mundo de hoje seria diferente em alguns aspetosO cardeal emérito Paulo Evaristoarns, que vivia num aparente silêncio há anos, deixou-nos na quarta-feira, 14 de dezembro, mas não levou a grande herança espiritual, acumulada durante toda a sua vida. Um purpurado com atitudes e homilias muito parecidas com as do Papa Francisco quando fala dos problemas humanos desgastantes e sem projetos de saída. Ele já vivia a dimensão missionária da Igreja, abraçada hoje pelo Papa: uma Igreja em saída, não voltada para si mesma. Talvez a figura bíblica que melhor traduza a vida missionária de Pauloarnsseja aquela que Jesus recomenda aos discípulos quando diz: eis que vos envio para o meio de lobos, tenham olhos de serpente e coração de pomba (Mt. 10,16). Filho de uma família modesta, mas com uma marca religiosa profunda, tinha três irmãs na Vida Consagrada e uma irmã médica, Zildaarnsque, juntamente com ele, deu origem à Pastoral da Criança, hoje com mais de 250 mil voluntários. O cardeal foi um profeta prematuro no Brasil e na américa Latina, durante o tempo das ditaduras. Se as atuais homilias do Papa Francisco tivessem sido feitas naquele tempo em que ele era arcebispo em São Paulo, o mundo de hoje seria diferente em alguns aspetos. Estávamos no tempo da chamada guerra fria e o medo era o de a Igreja meter a mão nas questões políticas, manejadas por interesses de predomínio internacional. Duas grandes virtudes emergem da sua vida: a simplicidade e a coragem profética. Quando o cumprimentei pela primeira vez em São Paulo, em 1980, ele não tinha aparência de bispo. Chegava às reuniões de padres ou para celebrar missas nas comunidades ou paróquias, sem batina, sem sinais de bispado; apenas com a cruz no peito. No verão aparecia de camisa e no inverno com casaco. Celebrava as missas simples sem nada na cabeça, cumprimentava sempre sorrindo, e se fosse padre ainda desconhecido não largava a mão sem receber a informação sobre a pessoa e terminava com o aperto de mão reforçado. Para os Missionários daConsolata, tinha um carinho especial por causa da paróquia de Nossa Senhora de Fátima doImirim. admirava a igreja linda, silenciosa e muito frequentada. Os fiéis da paróquia contavam que a própria mãe do cardeal gostava de ir à Missa noImirim, paróquia que sempre se mobilizou para ajudar os pobres. Nessa mesma paróquia foi criada uma das primeiras Casas da Vida onde eram acolhidas as crianças infetadas pelo HIV/Sida. No Brasil, foi o primeiro a defender publicamente esse modelo de serviço e a criar casas de apoio a partir da instituição aliança e Esperança, questionada até pela justiça. Ele sabia combinar bem a ousadia com o amor preferencial pelos pobres. Não teve medo de se envolver com os movimentos sociais ajudando-os na organização, reflexão e métodos não violentos. Trabalhou silenciosamente na coleção clandestina de documentos que testemunhavam a eliminação de pessoas ou a colocação em cativeiro. Sua atitude tornou-se mais incidente quando publicamente passou a defender seminaristas dominicanos que ajudavam militantes da ação Libertadora. Pauloarnsfazia parte daquela onda de bispos, escolhidos por Paulo VI e que estavam mais voltados para as situações de pobreza, desumanizadoras e discriminação social. Esse envolvimento com as pastorais sociais motivou a Santa Sé, quando já era Papa João PauloII,a dividir a diocese, criando na capital, São Paulo, quatro novas dioceses e transferindo de São Paulo para outras dioceses os bispos auxiliares que alinhavam com os métodos do cardeal. Uma operação feita à revelia do próprio cardeal que apenas desembuchou silenciosas lamentações. Foi uma surpresa enorme bem incidente na dimensão de ação pastoral da diocese. as periferias mais amplas passaram para a responsabilidade de outros bispos que logo mostraram ter outra visão de presença da Igreja no mundo real. a ditadura não estava mais de pé os movimentos sociais já tinham condições de se organizarem e força para atuar publicamente.