O trabalho dos missionários no Catrimani, com os Índios yanomami, é louvável e até inovador em termos culturais e humanos. Mas do ponto de vista amazónico, o trabalho revolucionário foi com os povos do lavrado
O trabalho dos missionários no Catrimani, com os Índios yanomami, é louvável e até inovador em termos culturais e humanos. Mas do ponto de vista amazónico, o trabalho revolucionário foi com os povos do lavradoO papel dos missionários junto dos povos indígenas de Roraima, no norte do Brasil, tem passado um pouco ao lado dos estudos antropológicos. a antropóloga brasileira Lêda Martins mergulhou nos arquivos do século passado e pondera lançar um livro sobre o tema Está a fazer um estudo antropológico sobre o trabalho dos Missionários da Consolata, em Roraima, no Brasil. Qual é o foco da pesquisa?O ponto de partida é a década de 1960, quando os missionários assumem fazer uma opção pelos pobres e pelos desfavorecidos, e mudam de uma relação com a elite e com os fazendeiros de Roraima, para uma relação com os índios, em particular com os macuxi, wapichana e ingarikó, do lavrado da Raposa Serra do Sol. O trabalho dos missionários no Catrimani, com os índios yanomami, é louvável e até inovador em termos culturais e humanos. Mas do ponto de vista amazónico, o trabalho revolucionário foi com os povos do lavrado. Revolucionário porquê?através da leitura dos primeiros relatos dos missionários, vê-se claramente que eles não chegaram a Roraima direcionados para o trabalho com os índios. Num primeiro momento, eles centraram a sua ação junto da elite e das fazendas. Depois, talvez fruto do Concílio Vaticano II, começam a fazer uma outra leitura da situação, e a perceber que há ali muita desumanidade e injustiça. No fundo, são os índios que acabam por converter os missionários e, juntos, vão criando uma história nova. Passada uma década após a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que desafios se colocam agora às comunidades indígenas dessa região? Bem, desde que foram retirados os fazendeiros e os arrozeiros, os índios vivem o seu quotidiano com muito mais tranquilidade, porque têm o controlo da terra pela qual lutaram mais de 30 anos. Porém, confrontam-se agora com o desafio de se inserirem no mercado, na sociedade ocidental e capitalista, sem com isso perderem a identidade e autonomia. E, neste momento, não têm respostas claras sobre como o conseguir. Penso que os missionários e a Igreja de Roraima podem, mais uma vez, ajudar nesse processo de reflexão, estabelecendo uma espécie de diálogo amazónico, sem perder o interesse pelos indígenas. ainda há um sentimento anti-indigenista em Roraima?Sim, há um preconceito muito grande em relação aos índios. ainda há uma classe política muito conservadora e anti-indigenista, com muitas críticas ao papel da Igreja. Mas há também uma visão diferente, sobretudo das novas gerações, que demonstram curiosidade e entendimento pela riqueza cultural dos indígenas. E esse é o momento para um novo diálogo dos missionários e da Igreja com a população local, para explicar o que a Igreja fez e o porquê dessa relação com os índios.