«Quanto mais radical era a ilegalidade, mais estonteante era o prazer conseguido»
«Quanto mais radical era a ilegalidade, mais estonteante era o prazer conseguido»Clara e Tony sentiam-se poderosos quando, na noite, saltavam a janela do quarto e se juntavam ao grupo de adolescentes, onde se desafiavam sem limites. ali, as alianças, os segredos partilhados e a transgressão do proibido, causavam-lhes uma euforia que fazia esquecer o alcoolismo do pai, a depressão da mãe, os gritos, os insultos, o insucesso na escola, a falta de esperança de serem alguém ou de serem uma família normal. Quanto mais radical era a ilegalidade, mais estonteante era o prazer conseguido. Um dia, Tony e o amigo Boina foram destacados para encontrar um carro para o programa da noite.com os seus 14 anos, Tony só queria corresponder à confiança do grupo. No dia seguinte, Tony e Boina estavam sentados na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, depois de terem sido detidos pela Polícia que compareceu no local do acidente com o carro que furtaram. a mãe chegou à Comissão desgastada, olhos vermelhos já sem lágrimas, com uma expressão de abandono à sua sorte. Não olhou para ele, nem disse porta-te bem, Tony, nem pensa no que fizeste, nada! Mas Tony olhou para ela. Na expressão do olhar da mãe, viu um vazio que o gelou – parecia uma mãe sem vida. aquele olhar! Sentiu uma dor esquisita, tipo remorso, ou culpa, um desejo de a abraçar e deixar-se daquelas coisas. Clara vinha atrás da mãe, sorridente, mostrando ser cúmplice do irmão. Mas Tony não lhe sorriu: perdera todo o orgulho pelo trabalho da noite. Ouviu o seu nome e entrou no gabinete. Sentou-se ao lado da mãe. até curvada ela estava. Num impulso, disse à doutora:- Interne-me! Quero ser internado!ambas olharam para ele, incrédulas. Tony insistiu:- Interne-me! Vai ver que me porto bem, mãe! a mãe não se entusiasmou. Já ouvira tantas promessas… Mas Tony insistia. a doutora aproveitou:- Faremos o que queres, Tony! Veremos do que és capaz… Tony não ia para ver. Ia para fazer acontecer. Três meses depois, iniciava a sua primeira experiência de estágio do curso de cozinha. Era um dos alunos mais elogiados. O orgulho crescia e partilhava-o com a mãe. Semeava nela a esperança. No colégio, Tony descobria agora novos jeitos de viver. Não aceitava ver o sofrimento da mãe e da irmã. Pediu ajuda para elas. E elas aceitaram. Oito meses depois, Clara e a mãe têm um sorriso rasgado, orgulhosas e agradecidas. Clara regressou ao clube de futebol juvenil onde era craque e matriculou-se no curso de pastelaria. Hoje, Tony foi a casa. abraçou a mãe que o entrelaçou, feliz. Clara ria, vendo o quadro de família tão sonhado. Recostou-se na sua almofada da Torre Eiffel (tem uma paixão pela Torre Eiffel) sentindo que ela representa o que Tony, a mãe e ela conseguiram: desafiaram-se a construir um presente grandioso, forte, corajoso, e, juntos, arquitetam um outro futuro: futuro de gigantes!