Há seis anos que a Nigéria sofre a violência do grupo islamita que sequestra escolas, põe bombas em mercados e expulsa os militares dos quartéis no nordeste do país. Quando há um ano mais de 200 jovens foram raptadas, o mundo indignou-se, mas pouco mudou
Há seis anos que a Nigéria sofre a violência do grupo islamita que sequestra escolas, põe bombas em mercados e expulsa os militares dos quartéis no nordeste do país. Quando há um ano mais de 200 jovens foram raptadas, o mundo indignou-se, mas pouco mudouagora que o Boko Haram já ataca países vizinhos, finalmente há uma resposta militar a sério. E a Nigéria até adiou seis semanas as eleições presidenciais para pôr todas as suas tropas a combater o grupo jihadista liderado por abubakar Shekau, o homem que sonha com um califado no Sahel1) a Nigéria adiou as eleições de 14 de fevereiro para finais de março para que todos os militares se envolvessem numa operação para acabar de vez com o Boko Haram. Quais são as hipóteses de sucesso do exército nigeriano de fazer em seis semanas o que não foi capaz em seis anos, desde que o grupo terrorista de inspiração islamita começou a usar a violência?Não é provável que o Boko Haram seja destruído de um momento para o outro. Mas será a primeira vez que as forças armadas nigerianas, as quintas mais poderosas de África, se comprometem em desferir um golpe fatal ao grupo e isso talvez signifique que haja uma estratégia bem delineada e o comando seja entregue aos oficiais mais competentes. Veremos se desta vontade de fazer resulta algo de concreto. De salientar que contra o Boko Haram estão também a mobilizar-se os exércitos do Chade, dos Camarões e do Níger e isso traz novidades ao combate a um grupo terrorista que desde 2009 controla partes do nordeste da Nigéria e ataca por vezes países vizinhos. 2) Esta mobilização dos militares do Chade, dos Camarões e do Níger significa que o Boko Haram deixou de ser um problema exclusivo da Nigéria?Sim, mas na realidade o Boko Haram sempre teve objetivos mais vastos que a Nigéria. O grupo não reconhece os Estados nascidos da descolonização e muito menos as fronteiras traçadas a régua e esquadro deixadas pelos europeus. O seu objetivo declarado é proclamar um califado numa zona do Sahel que corresponderia grosso modo a um antigo império islâmico regional que os europeus só conseguiram derrotar no final do século XIX e que se estendia do nordeste nigeriano ao Níger, ao Chade e ainda ao norte camaronês. Quanto à mobilização recente dos vizinhos da Nigéria, deve-se à multiplicação dos ataques na zona de fronteira, o que, de repente, assustou os vários governos e levou a uma resposta conjunta. 3) Como está a ser encarado na Nigéria este adiamento das eleições? a oposição discorda e suspeita mesmo que se trata de uma forma de o Presidente Goodluck Jonathan ganhar tempo, se possível com alguns sucessos militares para exibir. Mas oficialmente a decisão de adiar a ida às urnas foi da comissão eleitoral, um órgão independente, que considerou que a ofensiva contra o Boko Haram deixava as forças armadas sem soldados para assegurar a tranquilidade da votação. E se as seis semanas de adiamento foram uma forma de dar tempo aos militares e mesmo assim não atrasar em demasia o processo eleitoral, agora a dúvida é se tudo irá estar a postos para 28 de março, a nova data das presidenciais e legislativas. Será um ponto de honra para Jonathan. 4) Funciona bem a democracia na Nigéria?Desde 1999, com a morte do ditador Sani abacha e o regresso à democracia, a Nigéria tem feito sempre eleições, tem havido alternância e a imprensa é plural, o que significa que os governantes são expostos nas suas fraquezas. Existe também uma sociedade civil cada vez mais ativa, como se viu no ano passado quando milhares de pessoas vieram para as ruas exigir ao Presidente que fizesse algo contra o Boko Haram, que tinha acabado de sequestrar mais de 200 raparigas de uma escola. Foi então que nasceu o Bring Back Our Girls, Tragam de volta as nossas meninas, que correu mundo, com figuras como a primeira-dama americana, Michelle Obama, a empunharem o cartaz com o alerta contra o grupo extremista. 5) Fala-se, porém, de corrupção generalizada?O mal da corrupção afeta vários países africanos e explica muitas vezes a ineficácia da administração pública. a Nigéria não é exceção e por isso a campanha eleitoral estava a ser marcada pelas promessas de Mohammadu Buhari, o candidato da oposição, de tornar mais transparente a gestão do país. Buhari, que foi há 30 anos Chefe de Estado durante um curto período e já sofreu várias derrotas eleitorais, tem fama de honesto. 6) Jonathan é cristão, Buhari é muçulmano. Há alguma diferença na forma como o Boko Haram olha para estes dois candidatos presidenciais?Nenhuma. O líder do Boko Haram, abubakar Shekau, chama ambos de infiéis. E na verdade, tanto Jonathan como Buhari dizem-se determinados a acabar com o grupo islamita. 7) Como é a relação entre cristãos e muçulmanos na Nigéria?No mínimo, atribulada. No sul, onde a colonização britânica foi mais intensa, predominam os cristãos, cerca de 40 por cento dos 170 milhões de nigerianos. No norte, conquistado pelos europeus bem mais tarde, os muçulmanos são maioritários, e em termos gerais representam metade da população do país. Há ainda 10 por cento de animistas, seguidores das religiões tradicionais africanas. Desde a independência, alcançada em 1960, os sucessivos governos têm feito tudo para garantir uma certa harmonia entre as duas grandes componentes do país. E a própria estrutura federal funciona nesse sentido, pois há uma grande margem de autogoverno dos 36 estados. Prova dessa descentralização é 12 estados nigerianos terem aderido à sharia, a lei islâmica. 8) Tão importante como a coexistência religiosa é também a entre etnias. É verdade que a Nigéria tem mais de 250 tribos?Sim, e esse é um cálculo por baixo. a maior etnia são os hauças e fulanis com 29 por cento, depois os yorubas com 21 por cento, seguidos dos igbos com 18 por cento. Destaque ainda para os ijawa, com 10 por cento e os kanuri, com quatro por cento. 9) Estes últimos, os kanuri, são vistos como a base de apoio do Boko Haram. É mesmo assim?Tanto Shekau como os principais líderes do Boko Haram são kanuris, uma etnia com sete milhões de pessoas. E os seus combatentes também, até porque nas zonas que controlam, no estado de Borno, instituíram uma espécie de recrutamento obrigatório. ao mesmo tempo, os êxitos militares do grupo atraem voluntários. E com a promessa de regresso aos tempos do Império Kanen-Bornu, somada à denúncia de esquecimento por parte do governo de abuja, o Boko Haram consegue atrair combatentes. 10) Shekau não é o fundador do grupo. Quem foi?Mohammed Yusuf, um líder religioso do estado de Borno, começa em 2002 a defender a instauração da sharia. a sua mensagem passa pela denúncia da corrupção e pela promessa de uma sociedade mais justa se a lei islâmica for adotada. Yusuf usa meios pacíficos, mas em 2009 os seus apoiantes entram em conflito com os militares. Capturado, Yusuf morre nas mãos da polícia. É então que Shekau assume a chefia do grupo e adota a estratégia violenta. 11) Que se sabe de Shekau?Que tem entre 35 e 45 anos e que é kanuri. Fala, além do kanuri, haúça, árabe e algum inglês. Foi já dado como morto por várias vezes. Os Estados Unidos da américa (EUa), que o consideram terrorista, oferecem sete milhões de dólares pela sua captura. Tem um estilo desafiador e no início do ano, enquanto queimava uma bandeira nigeriana, dizia que o mais populoso país de África estava morto. 12) O que quer dizer Boko Haram?O verdadeiro nome do grupo é Jama atu ahlis sunna lidda awati wal-jihad, que traduzido do árabe significa pessoas comprometidas com a propagação dos ensinamentos do profeta e da guerra santa. Mas é como Boko Haram que estes jihadistas se tornaram famosos, uma expressão em língua haúça que quer dizer a educação ocidental é pecado. Percebe-se assim a fúria contra as escolas, como aquela em Chibok, no estado de Borno, de onde em abril de 2014 foram levadas mais de 200 raparigas, muitas delas vendidas como escravas ou forçadas a casar-se com rebeldes. 13) Que outros atos violentos tem cometido o Boko Haram?É uma longa lista. Já mataram vacinadores contra a poliomielite, o que faz da Nigéria um dos três países do mundo onde a doença não está erradicada. São especialistas em sequestros em massa. Fazem atentados suicidas mesmo em abuja, a capital, e em Lagos, a longínqua capital económica que fica no sul do país. Já usaram crianças nos atentados. 14) Como se fornece de armas o Boko Haram?De início, combatiam com machetes e paus, mas hoje os rebeldes contam com armamento capturado em quartéis no nordeste abandonados pelos militares nigerianos, que muitas vezes no passado evitaram combater os jihadistas. O grupo tem também verbas, obtidas graças ao negócio dos sequestros e às extorsões nas zonas que controla, para comprar armas que surgiram no mercado negro na zona do Sahel depois da guerra civil líbia. 15) além dos países vizinhos, há promessas de ajuda internacional para acabar com o Boko Haram?Quando aconteceu o rapto em Chibok houve muitas promessas de apoio externo, tanto de uso de forças especiais, como de informação por satélite sobre os esconderijos do Boko Haram. Mas pouco aconteceu, que se saiba. agora, o Presidente Jonathan fez um quase desesperado pedido de auxílio aos EU a através de uma entrevista a um jornal. Dizia que se os aviões da américa atacam os jihadistas do Estado Islâmico na Síria e no Iraque, porque não também o Boko Haram. Na realidade, há drones americanos a vigiar o Boko Haram e os EU a estavam a treinar tropas nigerianas até há dois meses antes de uma rutura por causa da recusa de Washington em vender certas armas ao seu aliado na África Ocidental. 16) Existe tradição separatista na Nigéria que possa servir de exemplo ao estado de Borno, cuja capital é Maiduguri, onde nasceu há 13 anos o Boko Haram?Sim, mas sempre derrotada. a tentativa de secessão mais célebre foi a dos igbos na década de 1960, que deu origem à Guerra do Biafra. Mas a unidade nigeriana triunfou. Nos tempos mais recentes, houve grupos rebeldes separatistas na zona do delta do Níger, mas uma mais justa redistribuição das receitas do petróleo silenciou a maior parte das suas reivindicações. 17) a Nigéria tem riqueza que chegue para desenvolver o norte e tirar argumentos ao Boko Haram?Em teoria sim. No ano passado, após uma revisão das estatísticas, o país até ultrapassou a África do Sul para se tornar a maior economia do continente. Com um PIB acima dos 500 mil milhões de dólares, a Nigéria é hoje a 26. a economia mundial e até tem o homem mais rico de África. Mas com a quebra do preço do petróleo, os cofres governamentais vão estar mais vazios, pois os 2,5 milhões de barris de crude diários são a grande fonte de receitas.