«é um fenómemo da cultura guineense. Se a criança nasce com paralisia, a família considera-a como Irã, um ser maligno que amaldiçoa toda a família e arrasta muita maldição»
«é um fenómemo da cultura guineense. Se a criança nasce com paralisia, a família considera-a como Irã, um ser maligno que amaldiçoa toda a família e arrasta muita maldição»Em crioulo, Bambaran é o nome que se dá ao pano usado pelas mães para carregarem os filhos às costas. Por simbolizar o aconchego, foi também este o nome escolhido para a Casa de acolhimento da Diocese de Bissau.com capacidade para 200 menores orfãos, portadores de deficiência, mas sobretudo os rejeitados pelo estigma das tradições, o edifício, situado em Bor, nos arredores de Bissau, acolhe neste momento 53 crianças dos zero aos 14 anos. Nas divisões, de paredes nuas, vazias de conforto, as crianças – as que se podem movimentar – correm curiosas com a presença de estranhos. Parece que mendigam um sorriso, uma palavra, um abraço. Tocam, puxam, e não desistem, até terem um minuto de atenção. Parecem felizes com tão pouco. Na realidade, além do sorriso permanente das religiosas e das voluntárias, dos cuidados básicos de higiene e alimentação, da educação e de alguma atenção, a pouco mais têm acesso. as que estão privadas de autonomia, limitam-se a seguir os nossos movimentos, com um olhar atento e penetrante, enquanto esperam por uma malga de leite, enriquecida’ com pequenos pedaços de pão. Quase nem vale a pena perguntar a história de cada uma. Elas convergem quase todas para o mesmo enredo, o mesmo drama, o mesmo motivo. Só mudam as personagens. Estamos a falar de bebés de meses, de meninos e meninas de um, dois, três, quatro ou cinco anos. Pessoas de carne e osso, pequenos seres humanos, com personalidade própria, que escaparam à morte. Literalmente. Isto num país que ratificou a Convenção dos Direitos da Criança das Nações Unidas. São vítimas de uma tradição que mina o interior rural da Guiné-Bissau e sobrevive ainda nos arredores das grandes cidades. Uma tradição que todos conhecem, e que a maioria continua a tolerar. É um fenómemo da cultura guineense. Se a criança nasce com paralisia, a família considera-a como Irã, um ser maligno que amaldiçoa toda a família e arrasta muita maldição. Essas crianças são rejeitadas e muitas vezes assassinadas pelos próprios familiares, esclarece Eurizanda Dias, religiosa da comunidade de Santa Mariana de Jesus e responsável pela Casa Bambaran. a funcionar nas antigas instalações do histórico Internato de Bor, encerrado pela guerra de outros tempos, este centro de acolhimento, inaugurado em 2011, alimenta-se sobretudo da boa vontade do exterior, conforme explica Giusi Digirolamo, 59 anos, vice-ecónoma da diocese de Bissau: Temos um projeto com a União Europeia que ajuda com o salário das trabalhadoras, que acaba em julho. as dificuldades são muitas, porque dependemos da ajuda dos benfeitores. Mas para nós a providência existe, porque sempre que estamos em dificuldade, acontece alguma coisa e há mais um benfeitor que nos ajuda. Para a italiana, que se mudou para Bissau depois de ficar viúva, e de sentir o apelo das causas humanitárias, a Casa Bambaran é um bom exemplo, para mostrar que as crianças Irã, são crianças que nasceram com pouca sorte, mas que podem ser amadas. Fizemos uma campanha de sensibilização em todo o país, através dos centros nutricionais, e sempre que as religiosas se apercebem que os pais querem matar um filho, encaminham-no para o centro de acolhimento. É a forma que temos para salvar essas crianças.