Há mais de uma década que se sabe que algumas mesquitas europeias servem para atrair membros das comunidades muçulmanas para a guerra santa, ou jihad. a novidade é que o recrutamento passou a ser feito pela internet
Há mais de uma década que se sabe que algumas mesquitas europeias servem para atrair membros das comunidades muçulmanas para a guerra santa, ou jihad. a novidade é que o recrutamento passou a ser feito pela internetSão tão radicais que a própria al-Qaeda cortou com eles. Mas os fanáticos do Estado Islâmico não só controlam vastos territórios na Síria e no Iraque, como atraem jovens europeus para as suas fileiras. O mundo começa agora a reagir a este grupo que chacina as minorias religiosas que recusam converter-se ao Islão e que mostra imagens de jornalistas a serem decapitados1. Um mapa que circula na internet mostra os territórios que o Estado Islâmico quer conquistar para o seu califado. Portugal está incluído. Faz sentido essa reivindicação?Na cabeça megalómana do Estado Islâmico sim, como antes noutras organizações fundamentalistas islâmicas. Depois da conquista árabe da Península Ibérica em 711, houve sete séculos de presença muçulmana na Espanha e cinco em Portugal. No imaginário islâmico, esses foram tempos de glória. É o mítico al andaluz (que deu nome à andaluzia espanhola) que mesmo o atual líder da al-Qaeda, o egípcio ayman al-Zawahiri, já por várias vezes reivindicou. Não admira, pois, que o Estado Islâmico, liderado pelo iraquiano abu Bakr al-Baghdadi, inclua Portugal num mapa que vai até ao Paquistão, engloba metade de África e todos os Balcãs. agora que essa reivindicação tenha lógica hoje é outra questão. a comunidade muçulmana em Portugal é de apenas uns milhares e a matriz do país é cristã desde os tempos de Dom afonso Henriques. 2. Fala-se muito de um califado. O que é?Depois da morte de Maomé, fundador do Islão em 622, os sucessores do profeta adotaram o título de califa. Nos primeiros tempos, esses califas governavam toda a comunidade muçulmana, mas depois passou a haver califas que só dominavam alguns territórios e mesmo situações em que chegou a haver mais de um califa. Desde 1924, não existe qualquer califa, pois nesse ano o sultão otomano, já deposto do trono, viu a república turca retirar-lhe o título religioso. Para muitos muçulmanos, a ausência de um califa surge como um vazio. E assim, os extremistas procuram ganhar adesões prometendo um califado como nos tempos áureos. O líder do Estado Islâmico proclamou-se califa, o que não significa que a esmagadora maioria dos 1. 200 milhões de muçulmanos no mundo o reconheça. 3. Falemos um pouco do Estado Islâmico. É uma organização bem sucedida, e agora famosa, mas até há pouco tempo ninguém tinha ouvido falar dela, certo?Sim, é recente. Nasceu do ramo da al-Qaeda criado no Iraque depois da invasão americana de 2003 que derrubou Saddam Hussein. E foi tendo altos e baixos até que a guerra civil na vizinha Síria lhe deu espaço para afirmar-se como o mais terrível, e eficaz, grupo armado na região. Foi cortando os laços com a al-Qaeda e até mudando de nome, sendo que já este ano passou de Estado Islâmico no Iraque e no Levante para somente Estado Islâmico. Neste momento controla grandes porções dos territórios sírio e iraquiano (talvez uma área do tamanho de Portugal, onde vivem oito milhões de pessoas), mas o que lhe deu fama foi a conquista de Mossul, segunda cidade do Iraque, o massacre de minorias religiosas e a decapitação de jornalistas americanos. 4.como ganhou tanta força de um momento para o outro?Desde 2011, há uma rebelião armada na Síria. Mas apesar de desejarem a queda de Bashar al-assad, os Estados Unidos da américa e países europeus como o Reino Unido ou a França refrearam o envio de armas para os rebeldes, o que permitiu que as fações mais extremistas, financiadas a partir do Golfo Pérsico, conquistassem seguidores. Num primeiro momento, parecia ser a Frente al-Nusra, obediente à al-Qaeda, a tirar maior partido da fraqueza dos moderados, mas em 2013 o atual Estado Islâmico começou até a atrair desertores da al-Nusra. E pouco a pouco foi também recrutando no mundo islâmico, como chechenos, tunisinos e líbios. agora sabe-se que conta com combatentes oriundos da Europa entre os 30 mil homens que a CI a calcula que tenha. 5. Europeus a combater por um califado, porquê?Há mais de uma década que se sabe que algumas mesquitas europeias servem para atrair membros das comunidades muçulmanas para a guerra santa, ou jihad. São em regra jovens mal integrados na sociedade que de repente veem como projeto de vida vingar aquilo que consideram afrontas ao Islão, seja a opulência de alguns líderes, seja o conflito israelo-palestiniano, seja os ataques americanos ao afeganistão e ao Iraque. Mas a novidade é que o recrutamento passou a ser feito pela internet, o que torna mais difícil aos serviços secretos identificarem terroristas. além dos jovens muçulmanos imigrantes de segunda geração, há também casos de europeus convertidos ao Islão que querem ser jihadistas. Os recrutas europeus do Estado Islâmico vêm sobretudo do Reino Unido e da França, o que causou alarme nesses países, que temem um regresso com intuito terrorista. 6. Há também portugueses a lutar pelo Estado Islâmico?Sim. Pensa-se que cerca de uma dezena. E a secreta portuguesa está a tentar identificá-los. 7.como se explicam os sucessos do Estado Islâmico no Iraque, a ponto de ameaçar dividir o país?Pensa-se que há antigos oficiais do exército de Saddam na estrutura do Estado Islâmico. E isso percebe-se porque depois da invasão de 2003 a maioria muçulmana xiita tomou o poder via eleições e nada fez para reverter a decisão americana de purgar das forças armadas e da administração pública os antigos quadros da ditadura, quase todos sunitas. Ora, os sunitas iraquianos viram o Estado Islâmico como defensor contra o governo de Bagdad, que os despreza. 8. Fala-se de perseguição aos cristãos, mas a maior violência foi contra os yazidis. Quem são?Os yazidis são de língua curda e vivem essencialmente no norte do Iraque. a sua crença tem elementos do zoroastrismo, antiga religião da Pérsia, e influências do cristianismo e do Islão. Os muçulmanos veem-nos como adoradores do diabo e ao longo dos séculos só o viverem nas montanhas e a proteção dos sultões e outros governantes tem evitado o seu massacre. Sabe-se de igrejas destruídas, de cristãos mortos e outros obrigados a converter-se para escapar à execução, mas as notícias mais horríveis têm que ver com os yazidis, com centenas de homens abatidos por não abjurarem, mulheres raptadas para serem vendidas, e milhares de famílias em fuga nas montanhas áridas. Quem veio em seu socorro foram os peshmergas, guerrilheiros curdos do norte do Iraque, e os aviões americanos, que largaram comida e água ao mesmo tempo que bombardeavam posições do Estado Islâmico para travar a sua progressão. 9. Também os xiitas são alvo? a divisão entre sunitas e xiitas vem dos primeiros tempos do Islão e tem que ver com a sucessão de Maomé, com os segundos a defenderem que a família do profeta tivesse prioridade. E mantém-se até hoje, pelo que o Estado Islâmico tenta derrubar os xiitas que governam a Síria (onde estão em minoria) e o Iraque. adivinha-se mesmo que, apesar do massacre das minorias, o seu principal alvo são os xiitas, e de nada servem os apelos de al-Zawahiri, sucessor de Bin Laden na al-Qaeda, para evitar a morte de muçulmanos pois isso divide o Islão. Há imagens de soldados xiitas de mãos amarradas a serem abatidos. 10. E porquê também as imagens de decapitação de jornalistas americanos?É uma forma de atrair publicidade para a causa do Estado Islâmico e ganhar a guerra de protagonismo à al-Qaeda, a organização fundada para combater os soviéticos no afeganistão nos anos 1980 mas que é célebre sobretudo pelos atentados em Nova Iorque, a 11 de setembro de 2001, que fizeram quase três mil mortos. É também um modo de guerra psicológica contra o Ocidente, tentando fazer repensar os governantes que recusam pagar resgates por reféns. 11. O dinheiro dos resgates é importante para o Estado Islâmico?Sim, mas existem outras fontes de financiamento, como os barris de petróleo vendidos a contrabandistas nos territórios que o grupo controla. 12. Existe algum plano global para combater o Estado Islâmico?Sim, começa a esboçar-se uma reação e o Presidente Barack Obama até aproveitou o 13. o aniversário dos atentados do 11 de setembro para anunciar que na Síria iria apoiar mais os rebeldes moderados, para estes tirarem influência ao Estado Islâmico, enquanto no Iraque serão dados novos meios ao exército governamental. Mas os Estados Unidos da américa continuam a não querer enviar tropas para combater no solo. Vários países árabes comprometeram-se também a tudo fazer para acabar com a ameaça do Estado Islâmico. ao mesmo tempo, os serviços secretos europeus estão a reforçar a vigilância sobre as fileiras de recrutamento dos jihadistas.